quarta-feira, 28 de agosto de 2013

CARTA AOS AMADORES



CARTA AOS 
AMADORES DE SANTOS
O teatro que derruba paredes (Patrícia Galvão)

Dirijo-me aqui aos amadores. A vocês cabe a força, como dizia um dos mestres da renovação mental do homem, Sigmund Freud, de “despertar o sono do mundo”. A grande tarefa do teatro amador é ser pioneiro. Independente da bilheteria, pode mostrar o caminho do futuro, as grandes possibilidades ainda não alcançadas, a revelação de novos métodos, novas formas. Caminha para o ainda não atingido, derrubando todas as paredes, todos os obstáculos até então com jeito de intransponíveis. Os amadores, que se lançam sempre à experiência e à aventura, são capazes de influir no teatro profissional de rotina e comércio pela qualidade e ousadia, pelo experimentalismo, pelo teatro de Alfred Jarry e Samuel Becket. Esse teatro de aventura não visa a prêmios nem aceitação, é uma etapa à frente do rebanho, é renovação, dinâmica, como é Esperando Godot, de Becket. Santos precisa, mais do que nunca, desse teatro que derruba paredes, para que não pereça em nós o sentimento delicado das coisas, a sede e a fome de luz e de sonho, a inquietação e a aspiração para olhar longe, ir mais longe, sim, sempre mais longe! É sinal de saúde que haja essa inquietação, esse movimento, essa necessidade de agitação de ideias. Ah, belo exemplo desses jovens a ocuparem as ruas hoje... Procurar, errar – ganhar experiência errando é a grande aventura humana – para no fim uma vez, um dia, ou nunca, acertar, eis o que é mocidade. “Teatro é verbo em ação”, dizia Goethe. Chega de pensar que os poderes públicos têm alguma coisa com a cultura e com o teatro. É o amor à arte que mantém essa Festa, que permite que a vida seja tomada pela poesia. Que não se apague a chama após o fim do 55º Festival, pois precisamos manter e criar uma tradição de teatro. Nós, que participamos da criação da União do Teatro Amador de Santos e do Teatro Universitário Santista, vimos com alegria a vitalidade do Movimento Teatral da Baixada Santista, incentivando as discussões sobre política cultural para a região, disseminando a arte. Estávamos acertados quando propagávamos entre moças e moços de nossas escolas o amor às coisas do teatro, essa ponte amável da cultura e da arte para a vida. É necessário um ideal, uma doação de alma e de fé, um pouco de sonho. Quando se nasce em países subdesenvolvidos, o remédio, aos que sentem “inquietações de inteligência” como tão harmoniosamente falava Lima Barreto, é exilar-se, amargar o pão do estrangeiro, ir pelo mundo; ou ficar por aqui mesmo e lutar para que sobrevivam os produtos daquelas inquietações. Nós ficamos. E lutamos. Pois já dizia o mestre Ionesco: “Fazer um mundo nosso é uma exigência do espírito que se fosse sufocado nos levaria a morrer de asfixia”. 

Texto da jornalista e pesquisadora Márcia Costa produzido a partir de artigos de Patrícia Galvão publicados no jornal A Tribuna (1955-1962), que originaram o livro “De Pagu a Patrícia – o último ato”, lançado em 2012 (Dobra Editorial/Fundo Municipal de Cultura).